Houve um tempo em que as fotografias de pessoas eram feitas exclusivamente em estúdios com luz controlada e cenário escolhido com esmero. Isso foi no século XIX, época da escravidão e início da fotografia. Marc Ferrez e Christiano Júnior foram os principais fotógrafos de estúdios que mostraram o escravo brasileiro para o mundo rico e branco.
As limitações das câmeras forçavam os modelos a ficarem imóveis por longo tempo. Os adereços e mobílias usados nos estúdios permitiam mais conforto do que em praça pública aos olhos de todos.
Os escravos do século XXI mudaram de hábito, saíram das senzalas e se mudaram para as favelas, deixaram o trabalho forçado na casa grande, hoje trabalham por um punhado de moedas e até fazem suas próprias fotografias.
Enquanto o escravo do século XIX se indignava com a fotografia que era obrigado a posar - como podemos ver nos olhares destes modelos -, o de hoje sorri, se oferece sem nenhum constrangimento.
Foto Marc Ferrez
O avanço da tecnologia deixou as câmeras digitais dos telefones celulares tão pequenas e leves que podemos levá-las no bolso.
Steven Sasson com sua invenção, a câmera digital. A câmera pesava 3,6 quilos e fotografava em mero 0,01 megapixel. Precisava de 23 segundos para que a imagem fosse gravada em uma Fita K7 digital, o cartão SD da época, e mais 23 segundos para a leitura da foto. Cada fita tinha espaço para 30 imagens.1
As minúsculas câmeras digitais popularizaram a fotografia? Até certo ponto sim. Só não popularizaram a boa fotografia. A intenção da foto selfie é apenas mostrar o momento sem maiores preocupações com enquadramento, composição, luz e outras técnicas que ressaltam a foto.
É uma foto histórica, mas não sobe o panteão das artes. É comum vermos gente na rua sorrindo para a câmera e em segundos estar nas redes sociais sorrindo para o mundo. No ambiente digital o negro, o branco, o pobre, o rico, o religioso e o ateu sorriem para o mundo. O que os diferencia é o ambiente da foto. Mas o que os liga, enquanto seres humanos, é o sorriso, a alegria, a magia estampada no rosto. Nas redes sociais somos todos iguais, somos todos felizes.
Enquanto o escravo de antigamente era obrigado a carregar os equipamentos fotográficos de seus donos, os de hoje carregam no bolso seus próprios estúdios.
Enquanto aqueles escravos eram subjugados a apenas um dono, os de hoje se curvam à multidão de apreciadores de suas fotos nas redes sociais. As mídias sociais substituíram as mesas e paredes com quadros da família.
Mudaram os patrões, a escravidão tem outro formato, as câmeras também são outras. O que não mudou foi o fascínio pela câmara escura. A expectativa pelo resultado continua contagiando corações e sorrisos em praças públicas.
1 https://iphotochannel.com.br/a-1a-camera-digital-da-historia-tinha-001-megapixel/
João Rios Mendes - Brasília, novembro/2021
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